2 de março de 2019

Almoço Nu - o regurgito literário

Pelúcia dourada e vermelha. Bar rococó com fundo de concha rosada. O ar está impregnado de uma substância nociva e doce como mel estragado. Homens e mulheres em trajes e vestidos de noite bebericam café através de tubos de alabastro. Um Mugwump do Oriente Próximo senta-se despido num banco de bar coberto de seda rosa. Com uma comprida língua preta, lambe mel morno de uma taça de cristal.

• Parcialmente auto-biográfico, Naked Lunch é uma marco da literatura marginal e a obra mais destacada de William Burroughs (1914 - 1997). Sua glória maldita se deveu tanto por sua bravura artística quanto pela rejeição a ela. Proibido, questionado e confrontado, e igualmente elevado como alternativo, Naked Lunch trata (entre um monte de coisas) da trajetória de William Lee cruzando paragens diversas, América, Europa, Oriente e regiões fictícias em seu verbo aditivado.
 
Em uma profusão de blocos narrativos alternados que ora são flagrantes documentos sobre o inferno do vício e ora são absolutamente delirantes em sua narrativa caótica, seguimos pela odisseia de Lee picotada por assuntos diversos. Difícil é saber onde termina o documento e onde começa o delírio (na verdade isso nem importa). O que importa é a afronta e desprezo por modelos lógicos e a escrita aventureira do autor disparando contra convenções sociais, políticas e artísticas em sua forma literária incomum! Também é interessante que o livro tenha sido escrito um pouco antes da contra-cultura dos anos 60, que deveu muito à cultura beat da década anterior. Burroughs, entretanto, e como bom outsider, não se encaixa rigorosamente em nenhuma dessas correntes.

Almoço Nu também tem sua dose (epa!) de ficção totalitária quando Lee chega a Anexia, regida pelo dr Benway, local que, de uma fachada de saneamento e cura, revela-se como mais um espaço de dominação em sua burocracia intransponível e detenções em massa. 
Em um fluxo extenuante que alterna blocos sóbrios a outros de puro delírio – escritos sob efeitos de aditivos – brotam episódios pornográficos, homossexuais, personagens que surgem do nada e somem da mesma forma, além de hilários, escrotos, purulentos, trechos isolados.

As vítimas frequentemente sabem que vão morrer, expressam o medo de que seus pênis entrem neles mesmos e os matem. Às vezes eles se agarram em seus pênis em estado de ululante histeria enquanto pedem socorro aos outros para que seus pênis não escapem e perfurem seus corpos. 

Punhetas fantasmas sussurram quente dentro do ouvido de osso...

Saraivadas de crânios de cristal despedaça a estufa em mil cacos sob o luar de inverno...


Isso até chegar na Interzone. Aí a coisa se complica!!! Em meio a tanta profusão de imagens, delírios e descrições pesadas, o livro foi considerado não filmável quase de forma unanime. "Quase" porque o Cronenberg achou que dava para tirar um roteiro do romance e dali saiu o seu Naked Lunch (Mistérios e Paixões) de 1991, que usa a linha básica da trajetória do personagem, alguns nomes e elementos de situações. Além de misturar outros eventos reais da vida do autor, como a morte da esposa na brincadeira de Guilherme Tell! Precisa comparar qual é o melhor? Acho que não precisa. Filme e livro são duas grandes obras em seus respectivos campos de linguagem. Natural considerar o livro "maior" só porque a literatura é maior que o cinema. Algo a se discutir... Certo é que o livro é uma experiência em leitura rara e inesquecível. Imprescindível!

📚
Leitura radical
Extenuante e excessivo.

Leitura passional
Extenuante, excessivo e inesquecível.
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Almoço Nu

Naked Lunch - William Burroughs, 1959
Editora Brasiliense - São Paulo - 1984 - (3º edição, 1992)
228 páginas

Almoço Nu

Um pouco mais sobre, Sabotagem

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