14 de agosto de 2019

Rosto de Caveira - fundações do fantástico!

Por um momento aquele espetáculo terrível afastou de minha mente toda ideia de rebelião. O meu sangue congelou nas veias e eu não conseguia me mover. Os olhos do rosto cadavérico me encaravam de forma demoníaca, e a fúria satânica e concentrada que havia neles me fez empalidecer. Então o horror deu uma risada sibilante.

• Edição essencial de contos fantásticos de Robert E. Howard. A surpresa maior, considerando a obra e a fama do autor, é que são trezentas páginas sem nenhuma história de Conan!
Rosto de Caveira conta a aventura de Stephen Costigan, ex-combatente da Primeira Guerra que acorda em um antro de consumo de drogas, no submundo londrino, e recebe uma missão que pode significar sua salvação do vício. De indisfarçada xenofobia (orientais e africanos são a ameaça), a trama segue construções e revelações na conhecida linha de mistério de novelas populares como em Edgar Wallace, John Dickson Carr e tantos outros. Resgatado do inferno dos viciados, Costigan auxilia a Scotland Yard na caça ao chamado Kathulos, o Rosto de Caveira, um misterioso egípcio descrito como uma múmia viva, elemento chave em uma rede de intrigas intercontinentais. Personagem modelado na linhagem dos vilões exóticos como Fantômas, Fu-Manchu e outros. Temos então uma novela de mistério (170 páginas) no clássico formato pulp dos livros de bolso, repleta de segredos, heroísmos decisivos, sacrifícios ritualísticos, investigações detetivescas e descrições deliciosamente gratuitas. Considere o primeiro parágrafo do livro:

O horror tomou forma concreta para mim pela primeira vez em meio à menos concreta das coisas - um pesadelo de haxixe. Eu estava ausente, em uma jornada onde não havia tempo nem espaço, vagando pelas terras estranhas que pertencem a esse estado de consciência.

Ou ainda esta descrição de um delírio sob o efeito de drogas.
Nunca, nos meus momentos de neurose pós-guerra ou de anseio por haxixe, havia vivenciado algo como aquilo. Eu ardia com o calor de mil infernos e tremia com o frio cem vezes maior do que o gelo. Um milhão de demônios estridentes me cercava, gritando e me golpeando. Osso por osso, veia por veia, célula por célula, senti meu corpo se desintegrar e se dispersar em átomos sangrentos por todo o universo...

Se o leitor visualizar um filme dos anos 30 é possível que Bela Lugosi apareça em algum momento da leitura! Simplório e sem floreios, o texto de Howard vai direto ao ponto narrativo antecipando a velocidade da cultura de massa da era eletrônica. Se foi considerado literatura menor em sua época, hoje guarda o charme da ingenuidade fantástica. Nos demais contos da seleção temos, aventuras exóticas como Na Floresta de Villefore, aventuras colonialistas em terras africanas (mais xenofobia) com lobisomens (Cabeça de Lobo), um feiticeiro que se transforma em hiena (A Hiena), navio fantasma (A Maldição do Mar), exemplar morbidez gótica (Aterrorizante Ataque da Morte) e a bizarrice de Filhos da Noite, com uma história de pesquisa genealógica e "lealdade tribal" que assustadoramente resvala na exaltação anti-racial. Sendo este último o mais próximo da linha sword & sorcery que consagrou o autor.

Rosto de Caveira (1929)
Na Floresta de Villefore (1925)
Cabeça de Lobo (1926)
A Serpente do Sonho (1928)
A Hiena (1928)
A Maldição do Mar (1928)
O Aterrorizante Ataque da Morte
Os Filhos da Noite (1931)

💀
Leitura Radical
O ultrapassado formato pulp de mistério e ação.

Leitura Passional
Raízes de modelos muito copiados posteriormente.
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Rosto de Caveira,
Os Filhos da Noite e Outros Contos 

Skull Face -  Robert E. Howard, 1931
Editora Martin Claret, São Paulo, SP, 2013
300 páginas

Rosto de Caveira - Robert E. Howard


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