21 de fevereiro de 2020

O Inquilino - a introversão demente que deu origem ao filme.

Foi caminhando pelas ruas sem pressa, observado as pessoas que passavam. As fileiras de rostos moviam-se quase que ao mesmo ritmo. Eram rostos com grandes olhos esbugalhados, como de sapos, rostos aflitos e cautelosos de homens desiludidos, rostos redondos  suaves de crianças anormais, pescoços grossos, narizes achatados, dentes pontiagudos. Semicerrando os olhos Trelkovsky imaginou que eram todos apenas um único rosto, a se alternar continuamente, como um caleidoscópio.

• Drama e suspense nesta famosa novela de Roland Topor que evoca a paranoia desesperadora de Kafka. Com texto fácil e bastante direto, a leitura flui rapidamente fazendo do leitor um participante no irreversível fluxo de loucura que toma o protagonista. Trelkovsky é um homem de meia idade que encontra um apartamento para alugar e descobre que a inquilina anterior havia tentado o suicídio. Seu convívio com os demais moradores o levará a uma cadeia perigosa de consequências emocionais. Retraído em uma doentia introversão, Trelkovsky será forçosamente adaptado aos hábitos e manias do novo grupo social com o qual convive no prédio. Mais dramática e perigosa ainda será a "adaptação" que o protagonista sofre aos hábitos da antiga inquilina. Sua noção de realidade se fragmenta em um caminho irreversível. ( Mas a realidade parecia tão ameaçadora quanto os pesadelos. )

Inevitável fazer um paralelo com o filme de Roman Polanski, que é bem fiel à novela, mas o livro vai ainda mais fundo nos pormenores neuróticos, na teia de situações que vai engolindo Trelkovsky e suas neuroses em supor um complô do grupo social à sua volta que trama contra sua individualidade. Também evidencia claramente as inseguranças e medos do protagonista em franca oposição a um grupo social que não tem nenhum interesse em acolhê-lo ou socorrê-lo quando de seu colapso.

Alguém bateu na porta. Eram os vizinhos!
Trelkovsky amaldiçoou o pânico que o invadiu como uma onda impetuosa. Podia ouvir o barulho do próprio coração ecoando como as batidas na porta. [...] Ia ter de justificar-se novamente, de explicar tudo o que fizera, pedir perdão pelo simples fato de estar vivo.

Diferentemente do filme, o livro também tem a seu favor algumas passagens surreais, naturais ao autor, especialmente no capítulo A Febre. Alguns trechos fazem lembrar os cartuns macabros do autor em um texto muito procedente e próprio à sua obra, seja em passagens humoradas ou macabras.

Trelkovsky jamais compreendera por que algumas pessoas insistiam em comprar o canto dos passarinhos com música. Os passarinhos não cantam, pensou ele. Os passarinhos simplesmente gritam. E, pela manhã, gritam em coro. Trelkovsky não pode deixar de rir. A simples ideia de comparar aqueles gritos roucos à música devia ser o cúmulo de alguma coisa. Da futilidade, sem dúvida.

Estou no Metrô, às 6 horas da tarde. A composição está repleta. A cada estação, mais pessoas entram nos carros. Empurram e dão cotoveladas nas pessoas que já estão dentro. Eu chego e dou o maior de todos os empurrões. Todas as pessoas que estão dentro do carro caem pela parede do outro lado, esborrachando-se nos trilhos. Um trem vindo na outra direção esmaga a multidão de viajantes a gritar. E o trem passa pela estação em meio a um verdadeiro rio de sangue...



🏢
Leitura Radical
Acaba muito rápido.
Leitura Passional
Demência kafkiana, melhor impossível. 
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O Inquilino

Le Locataire Chimerique, Roland Topor, 1964
Editora Record, Rio de Janeiro, 1976
126 páginas

roland topor

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