Fear Street (EUA, Canadá, 2021)
Com Kiana Madeira, Olivia Scott Welch, Julia Rehwald, Benjamin Flores, Fred Hechinger, Ashley Zuckerman, Maya Hawkw.
Trilogia de três. Anunciado como um "filme evento" produzido pela Netflix, a trilogia Rua do Medo segue o conceito da auto referência em cinema. Depois de conceituados diretores como Truffaut, Melville, Kurosawa e Leone terem idolatrado o cinema ianque e depois da realimentação via spaguetti-western e polizzioteschi, p. ex., ter influenciado de volta o cinema norte americano, agora temos os segmentos ou subgêneros se realimentando como ocorreu com a retomada slasher no terror contemporâneo.
Até aí, nada de mau, Martin Scorsese e Walter Hill também fizeram muito isso e hoje, na era pós-Tarantino é o cinema de nicho que revê sua própria mitologia na confecção de novos produtos. Neste caso é o fantástico/terror que passa por uma revisão e adaptação ao pop de massa contemporâneo. Mas parece que a fórmula, ou estratégia, ou homenagem, chegou ao limite da referência-citação como se pode medir aqui neste Rua do Medo. Baseado em uma série literária, o projeto investe em alguns elementos da mitologia do terror no cinema e faz um grande mix de componentes.
Na cidadezinha de Shadyside uma maldição envolvendo a bruxa Sarah Fier, executada no século XVII, se manifesta de tempos em tempos e agora é a vez de Samantha e seus amigos se tornarem o alvo dos ataques. Pessoas são possuídas e passam a cometer crimes em série, mas o que mais apavora Sam e os amigos é que alguns assassinatos são cometidos por pessoas que já morreram há décadas! Serial-killers de épocas passadas voltam à vida e continuam a matar causando pânico na cidadezinha e desorientação em autoridades. O foco da maldição é o sangue daquela que interferiu nos restos mortais de Sarah Fier. E o alvo agora é Sam!
Fear Street soma um pouco de tudo, do terror folk ao slasher oitentista, e passa por clichês óbvios como o descaso da polícia aos alertas juvenis, o conflito amoroso entre as protagonistas, a rivalidade social entre jovens ricos e pobres e a rivalidade de temperamentos, típicos do universo adolescente.
Baseado em uma série do autor R. L. Stine, especializado em horror juvenil (como Goosebumps, seu grande sucesso), a orientação adolescente é bastante procedente – apesar do elenco ser claramente mais marmanjo – e algumas ousadias são notáveis, como o romance homossexual, a jovem que vende adictivos químicos, as mortes explícitas, a violência com crianças. O perigo entre tantas liberdades é que o excesso leva a anestesia do conjunto e nada parece impressionar como deveria. A trilogia vira assim uma maratona de conteúdos no limite do caótico, que perece narrada em modo de ansiedade-adolescente-em-dia-de-chamada-oral.
Fear Street 2 dá continuidade à busca pela solução da maldição de Shadyside e remete intencionalmente ao modelo slasher em acampamentos. Ambientado nos anos 70, conta o drama das irmãs Berman (Cindy e Ziggy). Cindy é a única habitante que viu a bruxa e continuou viva e os fatos que presenciou no acampamento revelam detalhes sobre a maldição. A mão decepada da bruxa Sarah precisa ser recolhida para junto de seus restos mortais para por fim à maldição.
Fear Street 3 pula para o século XVII e o início da maldição de Sarah Fier ligada à fundação de Shadyside. O legal é que repete o elenco dos dois episódios anteriores como possíveis antepassados. E prepara um ótimo desfecho à história. É o episódio mais pesadamente dramático da trilogia. E o movimentado epílogo ainda acha espaço para um pouco de comentário social e jogos de poder, sintonizando os filmes aos discursos de conscientização contemporâneos. Nada mal para um produto francamente pop.
Conduzidos com firmeza pela diretora Leigh Janiak (do alternativo Honeymoon) a trilogia tem uma invejável unidade, fluência e simpatia. Tecnicamente é muito bem adequado em captar as atmosferas estéticas das épocas retratadas. É uma série que diverte, mas que também evidencia a cada minuto sua premeditação conceitual na intenção de abarcar públicos de idades distintas. O tempo pode fazer de Fear Street, se não um clássico, ao menos um marco de uma época em que as estatísticas de mercado são as principais orientadoras de um projeto.
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