29 de outubro de 2021

O Elo Distenso - uma coletânea esquecida de Daphne Du Maurier

Daphne Du Maurier


Ouviu a porta abrir-se mais um pouco atrás dele e uma voz de mulher, com sotaque estrangeiro, perguntar – Deseja alguma coisa?
Fenton tirou o chapéu. No seu íntimo, era forte o impulso de dizer: – Vim aqui para estrangulá-la. A você e à criança. Nada tenho contra os dois. Acontece que sou um instrumento do destino, enviado com este propósito. – Sorriu em vez.

O Elo Distenso é uma coletânea de contos da escritora britânica Daphne Du Maurier, assumindo o incomum e o fantástico. Foi editado em português antes mesmo do sucesso do filme Os Pássaros (baseado em conto da autora) e encontra-se perdido pelos sebos a preço acessível. 

No formato clássico de narrativa, os contos desconcertam pela exposição natural de comportamentos e percepções desvirtuadas. O texto formal e elegante da autora abre espaço a inserções macabras com algumas histórias beirando a comicidade absurda, como a da mulher que faz uma cirurgia ocular para se adaptar a lentes e acorda vendo as pessoas com cabeças de animais! Outros se destacam pelo poético fantasioso como em O Açude, no qual a percepção expandida da menina Débora lança comentários transcendentes sobre os bosques que rondam a casa de seus avós. Mas mesmo a delicada fantasia dessa narrativa também permite inserções perturbadoras quando Débora aprecia a superfície das águas. É fácil e tentador apontar esse conto como precursor de Neil Gaiman ou Ransom Riggs.

Débora arrastou-se até a borda do açude e ali agachada contemplou a água. Sua imagem ondulava lá embaixo. Não era o rosto que ela conhecia, mas uma imagem conturbada, escura e espectral. As mãos em cruz eram como pétalas de lírios aquáticos e sua cor não tinha a brancura da cera, mas um verde tom fantasmal.

– Estou sonhando então? – indagou ela.
– Não – respondeu a mulher – não se trata de um sonho. Nem da morte, também. Isto é o mundo secreto.

Alguma histórias resvalam no fantasioso apenas por sua visão poética como em A Ameaça, sobre um astro de cinema emocionalmente condicionado e precisando de uma simples renovação de convívio para reativar seu ânimo, ou o drama do garoto Ben, com problemas de comunicação e que prefere ir morar com animais na floresta para escapar dos maus tratos dos pais em Os Indomáveis.

Há espaço até para alfinetadas políticas como no conto A Arquiduquesa, que faz um divertido exercício em construção narrativa contando sobre o paradisíaco principado de Ronda que, de um passado harmonioso, passa por uma violenta revolução sócio-política gerada por manipulações da verdade.

O homem ocidental é de tal maneira constituído que não pode suportar a satisfação. É um pecado imperdoável. Precisa estar sempre lutando por um objetivo invisível, seja ele conforto material, um Deus maior e mais puro, ou uma nova arma que o tornará senhor do universo. A medida que se torna mais consciente, torna-se também mais inquieto, mais ambicioso.

Mas os industriais têm o dom de ignorar os problemas em potencial, quando estes ameaçam afetar suas finanças.

The Breaking Point (composto bilaking point no frontispício!) tem como unidade temática situações limite na vida de cada protagonista [Nesta coletânea de contos, homens, mulheres, crianças, e uma nação também, são levados ao limite de sua resistência]. Dramática e marcada por ocasionais surpresas, é uma obra de sutilezas, naturais à autora, e construção detalhista. Encanta especialmente pelas ousadias inesperadas de uma autora reconhecida por seus modelos clássicos. 



Leitura Radical
Sutileza demais arrasta um pouco as histórias.
Leitura Passional
Inusitado e poético. 

O Álibi
As Lentes Azuis
Ganimedes
O Açude
A Arquiduquesa
A Ameaça
O Antílope
Os Indomáveis
_________________
O Elo Distenso
The Breaking Point, Daphne Du Maurier, 1959
Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1962
305 páginas

Daphne Du Maurier

Daphne Du Maurier

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