17 de outubro de 2021

Ultra Carnem - o terror nacional fazendo seu espaço!

Ultra Carnem


Andou o mais depressa que pôde, mas sua coragem acabou tão logo a luz fraca da vela iluminou a abertura da porta. Havia alguém ali. A figura conseguia ser mais negra que a noite. Era alta, ocupava toda a altura do vão da porta. A coisa também tinha olhos. Eram intensos, brilhavam como brasa. Notando o padre mais perto, o visitante recuou um passo para fugir da luz.

• Romance do escritor Cesar Bravo que junta quatro histórias menores todas circulando sobre a mesma maldição. Com seu texto direto e capítulos curtos, o livro flui rapidamente na dosagem de eventos e surpresas que impulsionam a leitura. Centrado na dualidade entre Bem e Mal, Inferno e Paraíso, Deus e Diabo, a narrativa consegue evitar o lugar comum na maioria das ocasiões, apesar de alguns clichês visíveis, mas que não comprometem e ainda adicionam um tempero pulp às histórias. O mais interessante é que não há heróis em Ultra Carnem. Ninguém presta entre os protagonistas e a reunião final dos personagens é uma das opções mais interessantes do livro.

Quando o garoto cigano Lester é deixado aos cuidados de uma comunidade religiosa ele já chega sob suspeita de carregar uma maldição. [Ela dissera que o menino era seu irmão, mas não era possível. E por que sua tribo resolveu que o menino não servia para eles? O que uma criança poderia ter feito de tão grave?Artista nato, Lester gosta de pintura e escultura e seus trabalhos ganham fama como capazes de provocar visões e amaldiçoar quem as contempla. Lester, logo que chega se torna alvo de ataques e violências de outros garotos e sua estadia no local culminará em previsível tragédia.
Na história seguinte, é o pintor Nôa que busca as peças do jovem talento, escondidas em uma abadia em reforma. Busca especialmente a misteriosa tinta com a qual Lester produziu suas telas malditas.

Um calafrio percorreu o corpo de Nôa e morreu em suas mãos molhadas. Finalmente alguém com credibilidade falava sobre a tinta. Como ele já esperava, ela não era uma lenda. A tinta especial de Wladimir Lester, que interessava a Deus e ao Diabo, de fato existia.

Na terceira história, Marcos é um técnico de informática que melhora de vida quando faz um pedido para a estátua chamada de Ciganinha, esculpida por Lester. Sua vida tem uma súbita ascensão financeira e profissional, mas logo as contas serão cobradas. É o trecho mais violento e impactante do livro!
Na quarta história é a garçonete Lucrécia que trava contato com os servidores das trevas ao ouvir inadvertidamente uma conversa de bar e ser descoberta pelo trio de agentes infernais.

E o medo é bem mais produtivo que a descrença. O Inferno, queridinha, é como o que seus olhos mostram. Você precisa ver para acreditar que existe. Às vezes é como um espelho, você se move e ele se move de volta. Quando alguém não crê no Inferno, vai para outro lugar. Nem o patrão de cima ou o Lu aqui embaixo fazem questão dessas almas. Elas ficam no limbo, apodrecendo para todo o sempre, esperando a porcaria do Juízo Final que nunca vai chegar.

Muita coisa pode ser dita do texto ligeiro do autor, que em diversas ocasiões perde a chance de aprofundamento atmosférico, mas o resultado direto e franco faz a leitura se encadear pela soma de eventos. Acumulando mistérios e informações graduais, o livro conecta o interesse nas quatro narrativas para conectá-las no epílogo (a quinta parte do projeto).
Contando com um projeto gráfico muito atraente, habitual à Editora Darkside, e equilibrando-se entre a fantasia e a ironia, mitologia e cristianismo, Ultra Carnem é a confirmação entusiasmada de que o fantástico literário brasileiro vai muito bem e se fortalece. 


Leitura Radical
Muito direto, sem aprofundamento de situações.
Leitura Passional
Macabro e sangrento nas horas certas.
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Ultra Carnem
Ultra Carnem, César Bravo, 2016
Editora Darkside, 2016
384 páginas

Ultra Carnem

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