26 de dezembro de 2022

O Exorcista

The Exorcist (EUA, 1973)

Diret William Friedkin
Com Ellen Burstyn, Linda Blair, Jason Miller, Max Von Sidow, Lee J. Cobb, Kitty Winn, William O'Malley, Jack MacGowran.

O Exorcista

Creindeuspai. Ainda há algo a dizer sobre este clássico que marcou época, influenciou o mercado e apavorou geral na década de 1970? A primeira constatação que fica em uma revisão é que O Exorcista não envelheceu e ainda guarda seu impacto sensorial. Coisa de clássico mesmo. Se o filme impressionou pelas cenas chocantes, fossem elas de excelência técnica ou de provocação moral, hoje ainda mantem seu efeito progressivamente incômodo pelo domínio narrativo e estético.

Baseado no livro de William Peter Blatty (e com roteiro do próprio autor na adaptação para o formato filme), O Exorcista foi laureado como o filme mais assustador da história, ainda se mantendo no ranking dos melhores até hoje. Parodiado, criticado, proibido e repetidamente copiado, ainda é um prazer experimentar a força dramática de sua narrativa. Poucos são os clássicos que suportam a implacável prova de fogo do tempo e continuam eficientes dramaticamente. 

A história você já sabe – escrita por Blatty em período de desemprego – conta sobre a possessão da garota Regan pelo demônio Pazuzu (não citado pelo nome, no filme) e os esforços do padre Karras em expulsar a entidade, até precisar da ajuda do experiente padre Merrin, aquele que inadvertidamente libertou o demônio em uma escavação no Iraque! A simplicidade da premissa que tanto serviu ao filme, assim como o livro, parte do dualismo de forças, bem x mal, segundo conceitos religiosos, e assim os padres assumem o heroísmo enquanto as ações do demônio se convertem em ameaça física e ofensas de ordem moral, sendo a famosa cena do crucifixo a mais incômoda. Se isso pode ser considerado pouco para constituir uma história apavorante (a menos que você seja um devoto do catolicismo), como entender a força do filme? Simplesmente por sua excelência cinematográfica. O Exorcista pertence à era pré-MTV e seu conceito de exposição narrativa e tempos de montagem, referenciam mais ao cinema clássico do que a aceleração contemporânea. Assim, a forma clássica de confecção fílmica se deixa alterar por interferências incomuns, impensáveis na Hollywood Golden Age, mas muito bem vindas na Nova Hollywood.

Mesmo empregando recursos narrativos comuns, como a cena em que Chris entra no quarto de Regam e se espanta com a cama tremendo, o filme alterna procedimentos que desestabilizam a percepção habitual, como nas pavorosas inserções subliminares do demônio de cara branca, por exemplo no piscar das luzes da cozinha (58m23), ou o close de Regan, inserido na sequência em que Chris abre a escada do sótão. O processo de preparação e insinuações, tanto em diálogo quanto em exposição de imagem, são geniais na manipulação perceptiva, a ponto de uma simples conversa como a cena do chá com o detetive ganhar um incômodo especial. Do jump banal (como a cena da vela) ao apreensivo (Chris sozinha aos 28m52) o filme constrói uma atmosfera incomum especialmente por sua iluminação primorosa que culmina na icônica cena da chegada de Merrin, livremente baseada em L'empire des Lumieres de Rene Magritte.

Rene Magritte

Note as antecipações constantes às entradas no quarto ao impacto que se segue, assim como as diversas cenas na escada de acesso ao quarto. A estratégia serve a potencializar os choques, especialmente nas três famosas cenas do vômito, do crucifixo e da cabeça girando. Some a isso o confinamento da sequência de exorcismo e você tem uma aula de cinema e sutilezas narrativas. O resultado é um filme que não foi ultrapassado por modismos, liberdades estéticas e deslumbramentos técnicos posteriores. Mesmo que famoso por suas cenas de choque O Exorcista tem sua força na condução sutil de seus ingredientes perturbadores. 

• A proposta de sonorização, com um mínimo de música e máximo de efeitos sonoros, antecipou conceitos de sound-design para um filme.
• Antes do After Effects os efeitos eram na raça e o quarto de Regan teve que ser realmente resfriado para a condensação das respirações.
• Um dos maiores triunfos técnicos do filme foi fazer todo mundo acreditar que Max Von Sidow era um velho decrépito!
• Um dos momentos mais difíceis para as plateias da época nem era sobrenatural, era a cena de cateterismo de Regan, que continua incômoda ainda hoje.
• A edição expandida tem grandes momentos como a cena da escada (spider walk), removida anteriormente por ser considerada excessiva, e porque os fios de suporte não seriam opticamente removíveis. (Na nova versão, foram removidos digitalmente - trivia IMDB)
• Vindo dos bem sucedidos A Noite em que o Strip-Tease Começou e Operação França, William Friedkin teve com o sucesso de O Exorcista carta branca para o ambicioso e espetacular Sorcerer (Comboio do Medo), um injusto fracasso que abalou sua carreira definitivamente.
• Enquanto esteve proibido pela nossa censura, era chiquérrimo viajar para a gringa e contar que viu O Exorcista ou O Último Tango em Paris.
• Um pouco de timeline: "Ratos" no sótão (11m). Falhas no conforto burguês (27m30'). Sombras fálicas na parede (29m30'). Primeira inserção subliminar (32m48'). O vulto de Pazuzu atrás da porta (59m22'). O semblante infantil de Regan profanado em algo maligno (1:19:22'). Muitas vozes em Regan (1:32:29'). Cena ícone da chegada de Merrin (1:40:30').

Black Phillip já sabia 👿👿👿👿👿

O Exorcista
"Sua mãe tá rezando na frente do quartel..."


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